domingo, 9 de agosto de 2009

Ela sempre vai voltar...

Domingo, oito da noite. As chaves tilintam na fechadura. Ela está saindo de casa pela primeira vez. Só tem 19 anos. Ao lado da porta, a mochila. Adiante, a estrada aberta. Você pode gritar; ela não te escuta mais. Ela nem pediu sua permissão. Avisou que ia cair no asfalto, sair por aí, que ia ver o mar. Queria deixar a bolha casa/faculdade de jornalismo/balada. Os amigos moram em outros países, ela se sente sozinha. Sente-se sufocada e quer clicar outras paisagens. Quer experimentar. Percebe como ela cresceu? Percebe que ela já não é só sua? Você tem de deixá-la ir. Você já fez de tudo: você já tocou Billie Holiday, vocês já dançaram Duke Ellington e Ella Fitzgerald, já foram à praia juntos, tantas vezes... Você olha para ela e se enxerga: no fundo se orgulha, porque ela não olha para trás. Ela conhece os limites, só quer te testar. Ela deixa o copo de leite na pia antes de partir e sorri. Você se cala. A porta bate sem abraços.

Segunda-feira, sete da manhã. O vento entra pela janela do carro e bagunça seus cabelos, ao som de Rage Against the Machine — mesmo sentindo uma espécie de redenção — ela se envergonha de a tri­lha sonora não ser Pixinguinha ou um jazz: “O que ele iria pensar disso?”, pensa. Ela canta alto. Grita. Do lado de fora, um interminável paredão de coqueiros... Na baiana Santo André, até o vento desace­lera. Seus pés já acariciam a areia. A manhã surge nublada. O sol aparece, a água do mar é quente. Ninguém por perto, as roupas caem na areia. “Eu não fiz nada de errado... Será que ele ainda está bravo comigo? Ele ia achar esse lugar um paraíso?” Ela pede um sorvete de graviola. O calor aumenta. Por ali, os bichos andam soltos: ela brinca com um cavalo, com uns patinhos... Você ainda se lembra de como ela gostava de correr nos parques? Escurece — ela busca a lua. Um italiano serve vinho e massas no jantar. Fala alto, filosofa, coloca Caetano pra girar na vitrola. Tudo muito charmoso. “Ele ia pirar nesse restaurante... E se eu ligasse? Mas e se ele não quiser falar comigo? Qual o nome desse disco mesmo?”
Nada errado.

Terça-feira, dez da matina. Faz sol, a areia ainda está úmida da chuva da madrugada. Ela cavalga até a praia vizi­nha. “Ele me ensinou a galopar. Eu tinha medo...” A cama vazia. A casa silenciosa. E você pensa que fez tudo errado. Ela aluga um barquinho. O mar está calmo, ela toca a água com a ponta dos dedos e deixa as gotas de água salgada se misturarem com o suor do colo. Sim, ela não é mais sua. E está apaixonada. Louca, doente de amor — “Se pudesse, casava agora”, fala sozinha no quarto de hotel.

Quarta-feira, fim de tarde. Sob um céu cor de laranja, ela escuta Billie Holiday deitada na rede. É a música favorita dele. Ela não agüenta a saudade. “Mas não vou ligar.” Em casa, o telefone toca. Você sabe que é ela; mesmo assim, não atende. Ela pergunta por você. Está ótima. Adorando. O sol se vai... “Manda um beijo pro papai. Ele ainda está chateado?” Ela descalça os chinelos, procura roupas secas, busca uma garrafa de vinho. “Ele gosta de Porto... eu prefiro branco.” Ela vai voltar. Vai sair tantas e tantas vezes... mas vai voltar, sim. Veja como ela está linda. Como ela voltou feliz. Você não fez nada de errado. E, como afirma a Billie naquela canção, seu coração vai ser sempre do daddy.














Texto retirado da revista Trip

Nenhum comentário:

Postar um comentário